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O MAL QUE EXISTE EM CADA HOMEM DE BEM!
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“Em cada um de nós, há duas
naturezas em conflito – o bem e o mal.
Durante toda a vida lutam entre si,
mas só um delas vencerá.
Em nossas mãos está
o poder da escolha.
O que mais queremos ser,
nós seremos”.
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Desta forma inicia-se este clássico do cinema mudo: deixando claro para quem fosse assistir de que se tratava da eterna luta entre o Bem e o Mal. Temos à apresentação do Dr. Henry Jekyll (John Barrymore, fantástico), um homem idealista e filantrópico. Dr. Jekyll, além de exercer a sua profissão de médico tinha duas outras paixões: a investigação científica e a sua completa dedicação aos pobres. A primeira se apresenta com sua euforia em contraste ao Dr. Richard Lanyon (Charles Lane), que era um médico conservador e não via com bons olhos as investigações e experimentos químicos do amigo. Dr. Lanyon chega a dizer que o amigo está brincando com o sobrenatural e recrimina-o. “Concentre-se nas ciências positivas, Jekyll”. – lhe diz. A segunda se encontra numa pequena sala em que Jekyll transformou em consultório, e por sua própria conta e despesa, atende aos pobres. O sofrimento dos pobres era motivo de comoção para Jekyll, que não media esforços para atendê-los. Por conta disso acaba chegando naquela noite atrasado ao jantar na casa de Sir George Carew (Brandon Hurst), pai de Millicent (Martha Mansfield), que embora cortejada por muitos, tinha uma especial simpatia pelo Dr. Jekyll. Durante o jantar as pessoas comentam que o Dr. Jekyll somente se ocupa de seu laboratório e dos pobres e que não tem tempo para os amigos. Sir Carew chega a comentar maldosamente que “nenhum homem pode ser tão bom quanto parece”. Quando Dr. Jekyll chega ao jantar, Sir Carew inicia uma conversa com uma teoria de que todo homem tem o seu lado bom e o mal. Como o Dr. Jekyll discorde dele, Sir Carew, para provar sua teoria, desafia-o a expor-se a tentação, desta forma leva-o a uma casa noturna de Londres. Lugar onde as pessoas bebem desenfreadamente, e a “vida fácil” rola solta aos homens que podem pagar. Foi neste lugar que Sir Carew levou o Dr. Jekyll. À porta se nota os “restos” que a vida da noite e do prazer deixam em seus rastros: homens completamente embriagados, prostitutas envelhecidas e também bêbadas e sem nenhuma compostura, etc. O idealista e filantrópico Dr. Henry Jekyll, comete nesta noite um erro que nenhum homem deve cometer: por orgulho e auto-suficiência, aceita ser provado na tentação. Coisa que a sensatez aconselha o homem a ficar bem longe. Com toda certeza, Dr. Jekyll estaria bem melhor e a “salvo” se estivesse junto com seus pobres ou na companhia da jovem e bela Millicent. E a tentação tem nome, corpo e uma sensualidade que o pobre do homem não consegue ficar indiferente. Percebendo isso, Sir Carew pede que chamem a dançarina par vir sentar-se a mesa com eles. Gina (Nita Naldi), a dançarina, “atende” o pedido e com toda a desenvoltura da sua “profissão”, envolve, literalmente, o aturdido Dr. Jekyll em seus braços. Este fica totalmente seduzido pela beleza e sedutora figura de Gina, e para não ceder a sua fraqueza, recusa-a e saiu às pressas daquela casa da “perdição”. Ao chegar em casa junto com o amigo, o Dr. Lanyon, Jekyll argumenta “como seria maravilhoso se as duas naturezas do homem pudessem ser separadas e hospedadas em corpos diferentes”. O amigo diz que isto é impossível. Ele retruca que “a ciência forjou milagres. Por que não isso?” Ao que o Dr. Lanyon retruca que isto é um sacrilégio e que o homem seria tanto Deus como o Diabo. Neste instante o filme começa a desenvolver o tema proposto. Pois a alegação de Jekyll é, antes de qualquer coisa, uma hipocrisia, fraqueza ao qual a maioria esmagadora dos homens são escravos. Querer preservar a moral e alma intacta, numa conduta aparentemente irrepreensível, enquanto em segredo a mesma pessoa se entrega aos prazeres mundanos, é o pecado secreto de quase todos (pra não dizer todos) os homens de todas as épocas. Com a imaginação totalmente voltada para aquela perspectiva inovadora e todo o seu ser dominado pela paixão investigativa científica, Jekyll resolveu se dedicar dias e noites em pesquisas e mais pesquisas que o levasse a descoberta que procurava. A princípio, a paixão pela ciência foi mais forte que os prazeres mundanos e ele só pensava em suas pesquisas, embora o estopim para esta busca desenfreada tenha sido justamente a paixão por uma mulher. Quando finalmente chegou ao fim a sua investigação científica, Jekyll se deparou com um poder que o homem não tem e se o conseguir, não pode dominar. A serpente disse: “se comeres deste fruto sereis como deuses e conhecedores do bem e do mal”. Normalmente o homem não resiste a este tipo de soberba e desta forma o Dr. Jekyll sucumbiu a armadilha do seu próprio conhecimento. Tomando uma “poção” ele se tornou num ser repugnante que em nada se parecia com ele próprio, e, no entanto, era parte dele, o mal que habita em cada um de nós. Dr. Jekyll consciente do seu pecado, fabricou uma outra “poção” para tomar quando quisesse voltar a ser ele próprio. E desta forma, ele pretendia resguardar a sua identidade. Mas, embevecido pela soberba da “criação”, Jekyll acha que encontrou a fórmula ideal para levar uma vida dupla. E de posse do seu outro corpo, agora Jekyll se chama Hyde e está a caminho da vida que ele escolhera viver. Hyde vai a procura de Gina, que, a princípio, sente repugnância por ele, mas vencida pela poderosa persuasão daquele homem estranho, ela cede aos caprichos dele. Hyde a toma pra si e como o seu proprietário a usa a seu bel prazer. É o poder do dinheiro que ligado às más inclinações produzem efeitos desastrosos. Porque o mal sempre deixa rastros por onde passa e tão logo Hyde saciou-se de Gina, a expulsou de sua vida e de sua proteção. Enquanto isso o Dr. Jekyll faz uma visita a Millicent e tenta reorganizar a sua antiga vida, mas o cansaço das noites de orgias de Hyde faz com que ele durma durante a apresentação ao piano da jovem Millicent. Tanto Sir Carew quanto a filha percebem esta indiscrição e Jekyll toma consciência que o jogo que está praticando é muito perigoso. Por disso ele se decide por Jekyll por algum tempo, época em que o demônio ficou encarcerado e sem poder ir ao submundo. Mas num momento de fraqueza, e eis que novamente Hyde se apodera da situação e parte furioso em busca da vida de prazeres que tanto o deleita. Entra num prostíbulo em busca de carne fresca, e enquanto conversa com uma prostituta, aparece Gina, agora totalmente entregue a vida fácil. Não era mais a bela Gina, a dançarina, mas um mulher acabada, com traços de noites mal dormidas e semblante de bêbada, totalmente deprimente. Furioso pela intromissão da antiga amante, Hyde pega as duas pelos cabelos e as leva até um espelho e diz que não há diferença entre elas. Diz a moça que cortejara a pouco “ela é você amanhã”. Em seguida pede ao dono do prostíbulo que lhe arranje uma outra mulher, só que, jovem e bonita. Porém o mal não respeita o seu espaço, desta forma começou a rondar a jovem e bela Millicent também. Jekyll de seu lado sente torturado pelas monstruosidades praticadas por Hyde e fica tomado de pânico por causa da natureza maléfica ao qual se entregou. Isto porque o mal é um inimigo que come pelas beiradas, mas com o passar do tempo ele domina toda a vida da pessoa. O embate que trava com Sir Carew quando vai procurá-lo para dizer-lhe que ele, Sir Carew, se oporá ao casamento dele com sua filha é digno de um dos momentos mais interessantes e aterradores do cinema até aquela data. Completamente transtornado Jekyll, sem o uso de sua “poção”, se transforma em Hyde na frente de Sir Carew. Jekyll o acusava de tê-lo iniciado nas tentações da carne e na libertação do seu mal interior, e agora Hyde salta sobre Sir Carew para matá-lo. Sir Carew tenta fugir, mas o mal muitas vezes é mais rápido e ele nunca perdoa os seus inimigos. Uma testemunha vira o assassinato e a polícia parte em busca do criminoso. Hyde que somente chegara perto de Millicent encarcerado no corpo de Jekyll, desta maneira a atinge mortalmente matando o seu pai. Hyde consegue ludibriar a polícia e retorna ao laboratório de Jekyll, que toma a sua “poção” e retorna ao seu corpo normal. Duro é agüentar o sofrimento de Millicent, que se entrega nos braços de Jekyll sem saber que abraça o assassino do seu pai. Jekyll então chega a um momento de sua vida em que está numa encruzilhada entre o bem e o mal. O mal aos pouco domina Jekyll, de forma que ao dormir este se apossa dele, e ao acordar não é mais Jekyll, mas Hyde. Quem se entrega ao demônio é por ele dominado, e é por ele destruído também. Jekyll sabe que não lhe resta outra alternativa, já que não é ele mais que vive, mas o mal que saiu das suas entranhas que agora dá as cartas. Numa de suas dominações sobre Jekyll, Hyde tenta “possuir” Millicent, que desesperada foge. E agora o “encarcerado” Jekyll, no corpo de Hyde, decide por fim a todo aquele tormento e toda aquela maldade. E é o seu amigo o Dr. Lanyon que, boquiaberto, vai encontrá-lo em sua expiação final.

Várias outras versões foram feitas desta clássica história do escritor Robert Louis Stevenson. História que provocou estudos psicológicos e explorou uma metáfora que define o comportamento humano. Porém, esta versão ficou imortalizada pela soberba atuação de John Barrymore, que tinha a capacidade de deslocar a mandíbula e assumir o papel do monstro. Embora tenhamos a presença de uma Nita Naldi, bela e sensual e um elenco escolhido a dedo, o filme é todo de Barrymore, que veio direto do teatro para protagonizar Jekyll e Hyde nas telas. Uma das maiores interpretações do cinema, sendo que Barrymore não usou maquiagem, nem truques ou qualquer tipo de efeito para que o Dr. Jekyll se transformasse em Mr. Hyde. O filme, além das transformações de Barrymore, teve muitos outros grandes momentos, rico em simbolismos e extremamente provocante (como os trajes de Nita Naldi, por exemplo) para uma obra realizada quando o cinema sequer havia descoberto o som. A história, apesar de ter sido posteriormente filmada pelo menos umas vinte vezes, muitos críticos consideram esta versão muda como uma das mais brilhantes, por associar a decadência física e moral do Dr. Jekyll a uma espécie de vício, quase uma doença social. Afinal, muitos homens hoje em dia, que passam a viver uma vida dupla, acabam, por fim, sucumbindo à degradação moral e física. O filme do diretor John S. Robertson, tem o privilégio de ostentar a fama de ser o primeiro longa-metragem do gênero terror, numa época em que nem existia um gênero chamado de “terror”. Na época, o terror, juntamente com a ficção científica e o faroeste, eram considerados como temas “menores”, portanto, sem importância ou valor artístico. Mas depois da exposição do filme e a brilhante atuação de Barrymore, que assombrou tanto crítica quanto público, o gênero começou a ser encarado pela azeda crítica da época, e principalmente, a posterior, como uma possível novidade no meio artístico cinematográfico. Seja como for, hoje em dia, o gênero tem o reconhecimento que merece e o filme é importante e essencial, tanto como documento histórico quanto como obra artística.
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